terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

(excerto 4)

(...) Vou muito pequeno, tão pequeno, a mais pequena das crianças, explica a professora: A mais pequena das crianças – sabe-se que é ela porque nesta frase o tom é mais profundo cavernoso; a voz da professora, só mais um exemplo: Meninos, todos calados. Comecei na escola aos 6 anos, talvez 2 anos depois do Verão da Françoise. Estás na outra carteira, Cláudia, era assim que se dizia na escola primária: carteira, do outro lado da sala. Mas não quero passar o tempo muito à frente, embora a voz da professora: Dois vezes dois, Francisco?, é uma voz forte grave, impõe-se ao assunto. Deverei dizer-lhe: Cale-se. Não tenho coragem. A professora Feliciana morreu numa noite escura de Inverno, sozinha com os gatos, uns 10. Mas não quero falar dela. Deveria dizer-lhe, talvez apareça mais vezes. Agora está morta e não fala.


Correm verdes os anos 80, e a professora, a professora Feliciana, manda que se faça um desenho. Estás na outra carteira, um bibe rosa, umas florzinhas vermelhitas, e no pulso uma fita azul de nós mal dados. Agarras com força nos lápis de cor (pareço eu deslocar-me ao teu lugar para te ver desenhar gigantesca flor: Cláudia, as flores são bem mais pequenas que as pessoas: desenhas uma mulher com um carrinho de mão, as flores trepam crescem agigantam-se, cobrem o carrinho e a mulher – a tua mãe, Cláudia?) Volta para o teu lugar, Franciso - esta é a voz gorda da professora Feliciana, o dia está quente, ainda Setembro, os pássaros desprendem-se dos ramos ressumados das árvores – no espaço do recreio, um burburinho de asas apressa-se. E eu agarro no lápis afiado e na afiadeira e nos meus pés e volto à carteira. Na classe da professora Feliciana – durante a noite, ouvia-lhe a voz grossa, juro, dizendo-me: Dois vezes dois?