quarta-feira, 13 de julho de 2011

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Os pássaros furam a parede pela madrugada, e uma luz leve e terna nasce do chão e ilumina as paredes brancas, tão mais amarelas quão amarela é a luz de madrugadas assim, as dos pássaros que furam a parede. Muito cedo: passos: a avó surda e os sapatos açoitam o chão, as socas violentas, salvo uma tira de cabedal perto de violeta que amacia a pancada de os olhar, dirige-se porta fora, e o som das socas vai atrás, obediente a quem por elas calca o chão: entre o chapéu de fitas e a camisa aparece a cara da avó que diz: Vá a ver, que são horas, é tarde, já se fez dia. Esta é a bisavó, chamo-lhe sempre avó, tem algures entre o chapéu e a camisa uma cara risonha e matreira, a mesma com que diz ressuscitar a dias certos de maio, certa de que a velhice não dura sempre, mas mais nada a fazer que não rir. Ela repete-se: Vá a ver, que são horas, já se fez dia. Quando abre a porta, o cheiro da hortelã: o cheiro ao chá da avó espalha-se na casa. A manhã cheira a hortelã. Há quanto tempo foi o casamento da tia? Ainda agora lá estava, avó. E tu nem me respondes, ocupada a beber o chá sem açúcar. Sentas-te num banco tão pequeno quanto tu. A porta da rua ficou aberta e o teu olhar alonga-se ao fundo da rua. Viras-te para trás e perguntas: Que queres daqui? Não tens mais nada que fazer? Vai lá para dentro, continua a dormir, ou então sonha lá com o casamento da tua tia, tanto me faz. (A forma como contorce o pescoço: fá-lo como conseguisse rodar completamente a cabeça. Aquela não és tu, aquela és tu depois de morrer, quando os ossos largam a cartilagem. Repetes o chá e estou nas tuas costas, as socas calaram-se desde que estás sentada à porta, os pés juntos. Deixa de reparar nos meus pés, dizes ao mesmo tempo que bebes.)