sexta-feira, 16 de março de 2012

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O longo deserto que vai da casa preta aos mortos foi percorrido durante dois dias seguidos pelo meu avô. Disse assim: vou atravessar o deserto; do outro lado está um cavalo morto, morreu de sede, levo-lhe água e alimento-o durante dois dias e duas noites para ver se o ressuscito, e ao terceiro dia trago-o nos braços. Acordou bem cedo naquela manhã em que a avó bebe hortelã: o cheiro a hortelã na rua: calçou sapatos pretos, a sua melhor camisa branca, leves riscas, botões reluzentes, calças de fazenda para que o frio não lhe parasse as pernas; a tiracolo segura uma mala, água, pão, carne. Sentei-me ao lado da avó e vi-o desaparecer para lá da placa que confirmava a terra. O avô vai atravessar o deserto até ao lugar dos mortos para ressuscitar um cavalo, digo-lhe. E tu, que fazes aqui? Vai com ele, ordenou-me a avó. Da casa preta ao lugar dos mortos são duas noites e dois dias, é apenas permitido descansar durante cinco minutos num lugar à sombra aparado das temperaturas do deserto: uma casinha muito branca, trespassada de luz: durante cinco minutos apenas, nem mais um segundo: o corpo não deixa: no deserto o corpo desobedece ao dono.

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